EM
MARCHA!
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Aos
estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, 9 de Outubro de 1915.
“Ser-me-ia
fácil, para agradecer a vossa carinhosa recepção, improvisar algumas frases de
brilho fugaz, que morressem aqui ao nascer, música sem idéias, fútil e amável
cortesia sem fundo e sem eco. Mas quis dar alguma vida, mais calor e duração as
minhas palavras, e escrevi-as, para que elas, confiadas agora aos vossos
ouvidos e às vossas almas, possam estender-se a ouvidos distantes e a almas
afastadas, a todos os Brasileiros de vossa idade, crescendo, estudando,
sonhando, dentro do imenso e inquieto coração do Brasil.
O
momento não quer discursos ocos e retumbantes, sonoridades entontecedoras,
rolando na esterilidade do vácuo. O que se exige agora é a simplicidade de
idéias fortes em palavras claras, que, na sua dura tristeza, tenham, com a
revolta, um estímulo para a esperança, para a crença e para o heroísmo. Não
podeis, talvez, perceber com perfeita consciência a gravidade da nossa situação
moral. Viveis numa rica metrópole, entre o sorriso e a gala da vida culta; e
não podeis entrever o caos, a confusão e os perigos que enchem toda a nossa
maravilhosa e inconsistente Pátria. Na juventude, tudo é graça e facilidade,
espontaneidade e embevecimento: uma pureza natural, que do íntimo se transborda
para o exterior em véus ilusórios, um fascínio próprio, que se espalha sobre o
ambiente e embeleza o espetáculo da vida real... Mas é força que, antes do
tempo devido, alguém cruelmente vos arranque da paz e do arroubo. Vede que na
Europa, hoje, quando a guerra abre diariamente largos claros nas fileiras dos
combatentes, os governos chama às armas as mais novas classes dos exércitos, as
falanges dos adolescentes, reservas fulgentes da primavera nacional: aqui, outra
desgraça, mais triste, oprime o país, e outra morte, pior, escasseia os filhos
válidos, — desgraça de caráter e morte moral; e já que os varões, incapazes ou
indiferentes, deixam o Brasil devastado sem guerra e caduco antes da velhice, —
venham ao campo os efebos, em que o ardor sagrado contrabalance a experiência,
e em que o ímpeto da fé supra a imaturidade dos anos!
Não
vos deixeis deslumbrados do magnífico progresso desta cidade e deste Estado:
São Paulo não é todo o Brasil; e a verdadeira grandeza de um país não é a sua
riqueza. Por outro lado, não imagineis que o que me assusta seja o desconforto,
a falta de dinheiro, a falta de trabalho organizado e produtivo na maior parte
da união, nem o ônus formidável das dívidas oprimindo o nosso futuro. Ainda há
muita ventura e dignidade nas casas em que não há muito pão; mas nada há,
quando não há amor e orgulho.
O
que me amedronta é a míngua de ideal que nos abate. Sem ideal, não há nobreza
de alma; sem nobreza de alma, não há desinteresse; sem desinteresse, não há
coesão; sem coesão, não há pátria.
Uma
onda desmoralizadora de desânimo avassala todas as almas. Não há em cada alma a
centelha criadora, que é a consciência da força e da bondade; e de alma para
alma não há uma corrente de solidariedade, de crença comum e de entusiasmo, que
congregue todo o povo em uma mesma aspiração. Hoje, a indiferença é a lei
moral; o interesse próprio é o único incentivo. O «arrivismo», — hediondo
estrangeirismo com que se exprime uma enfermidade ainda mais hedionda, —
epidemia moral, que tende a transformar-se e a enraizar-se como endemia,
envenena todo o organismo social e mata todos os germens da dedicação e da fé:
cada um quer gozar e viver sozinho, e crescer, prosperar, brilhar, enriquecer
depressa, seja como for, através de todas as traições, por cima de todos os
escrúpulos. Assim, a comunhão desfaz-se, e transforma-se em acampamento bárbaro
e mercenário, governado pelo conflito das cobiças individuais. E os políticos
profissionais, pastores egoístas do rebanho tresmalhado, nada fazem para
impedir a dispersão; e, quando não se aproveitam do regabofe generalizado, e
quando não se locupletam, imitando a gula comum, apenas se contentam com a
passiva e ridícula vaidade do mando fictício...
Esse
é o espetáculo que nos deparam as classes cultas. As outras, as mais humildes
camadas populares, mantidas na mais bruta ignorância, mostram só inércia,
apatia, superstição, absoluta privação de consciência. Nos rudes sertões, os
homens não são brasileiros, nem ao menos são verdadeiros homens: são viventes
sem alma criadora e livre, como as feras, como os insetos, como as árvores. A
maior extensão do território está povoada de analfabetos; a instrução primária,
entregue ao poder dos governos locais, é, muitas vezes, apenas, uma das rodas
da engrenagem eleitoral de campanário, um dos instrumentos da maroteira
política. Quanto à instrução profissional, essa, na maior parte dos Estados da
União, é um mito, uma fábula, uma ficção. Lembrai-vos que, se a escravidão foi
um crime hediondo, não foi menos estúpido o crime praticado pela imprevidência
e pela incapacidade dos legisladores, dando aos escravizados apenas a
liberdade, sem lhes dar o ensino, o carinho, o amparo, a organização do
trabalho, a habilitação material e moral para o exercício da dignidade
cívica...
Que
se tem feito, que se está fazendo, para a definitiva constituição da nossa
nacionalidade? Nada.
Os
imigrantes europeus mantém aqui a sua língua e os seus costumes. Outros idiomas
e outras tradições deitam raízes, fixam-se na terra, viçam, prosperam. E a
nossa língua fenece, o nosso passado apaga-se...
Há
sete anos, houve um rebate ansioso e febril. Na tribuna e na imprensa, vibrou
alto chamamento, um toque de alarma a todas as energias adormecidas. E uma lei
apontou à nossa esperança o entreluzir de uma promessa de salvação: a lei do
sorteio militar, se não a providência completa do serviço militar obrigatório,
ao menos um ensaio salutar, o primeiro passo para a convalescença e para a
cura. Então, como ainda hoje, eu considerava que era esse o único providencial
remédio para o nosso definhamento. Nunca fui, não sou, nem serei um
militarista. E não tenho medo do militarismo político. O melhor meio para
combater a possível supremacia da casta militar é justamente a militarização de
todos os civis: a estratocracia é impossível, quando todos os cidadãos são
soldados. Que é o serviço militar generalizado? É o triunfo completo da
democracia; o nivelamento das classes; a escola da ordem, da disciplina, da
coesão; o laboratório da dignidade própria e do patriotismo. É a instrução
primária obrigatória; é a educação cívica obrigatória; é o asseio obrigatório,
a higiene obrigatória, a regeneração muscular e psíquica obrigatória. As
cidades estão cheias de ociosos descalços, maltrapilhos, inimigos da carta de
«abc» e do banho, — animais brutos, que de homens tem apenas a aparência e a
maldade. Para esses rebotalhos da sociedade a caserna seria a salvação. A
caserna é um filtro admirável, em que os homens se depuram e apuram: dela
sairiam conscientes, dignos, brasileiros, esses infelizes sem consciência, sem
dignidade, sem pátria, que constituem a massa amorfa e triste da nossa
multidão... Mas nada se fez. O mesmo homem, o mesmo marechal, que, quando
ministro da guerra, promoveu esse movimento salutar em favor da nacionalidade,
— no dia em que subiu ao supremo poder foi o primeiro a esquecer a sua criação,
deixando-a morta no berço. E hoje, depois de um quatriênio de lutas estéreis e
de politicagem sem moral, — o problema terrível permanece sem solução: uma
terra opulenta em que muita gente morre de fome, um país sem nacionalidade, uma
pátria em que se não conhece o patriotismo.
Moços
de São Paulo, estudantes de Direito, sede também os estudantes e os pioneiros
do ideal brasileiro! Uni-vos a todos os moços e estudantes de todo o Brasil:
num exército admirável, sereis os escoteiros da nossa fé!
O
Brasil não padece apenas da falta de dinheiro: padece e sofre da falta de
crença e de esperança. O agonizante não quer morrer: quer viver, salvar-se,
reverdecer, reflorescer, rebentar em nova e fecunda frutificação. Dai-lhe os
vossos braços, dai-lhe as vossas almas, dai-lhe a vossa generosidade e o vosso
sacrifício! Não espereis o dia em que, deixando esta casa, iniciardes a vossa
efetiva existência cívica, para o trabalho público, para a agitação social,
para a política. Trabalhai, vibrai, protestai, desde já! Protestai, com o
desinteresse, com a convicção, com a renúncia, com a poesia, —contra a
mesquinharia, contra o egoísmo, contra o «arrivismo», contra a baixeza da
indiferença!
Desta
velha casa, de entre estes sagrados muros, que esplendem de tradições
venerandas, deste quase secular viveiro de tribunos e de poetas, —daqui saíram,
em rajadas de heroísmo, em ímpetos de entusiasmo, as duas campanhas gloriosas,
que foram coroadas pela vitória da Abolição e da República. Estruja de novo a
casa! Estremeçam de novo os muros! e de novo palpite e ressoe o aviário canoro,
cheio de hinos de combate e de gorjeios de bondade! Inaugurai, moços de São
Paulo, a nova campanha!
Perto
de vós, entre vós, o começo da minha velhice, tocado da graça milagrosa da
vossa mocidade, tem gomos verdes, feiticeiros rebentos de ressurreição.
Escuta
e acolhe a revolta e a esperança do meu outono, ó primavera da minha terra! Em
marcha vitoriosa, ó meus irmãos, para o Ideal!”
—
Olavo Bilac
[OLAVO
BILAC. In (OLAVO BILAC. A Defesa Nacional, Discursos. Ed. Liga da Defesa
Nacional, Rio de Janeiro, 1917; Pág 3-9)]
Digitalizado por: Lucas Gustavo Boaventura Martins.
Olavo Bilac |
Por Cristo e Pela Nação: Anauê!
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